O volume de denúncias e questões judiciais envolvendo assédio sexual no trabalho voltou a aumentar nos últimos dois anos depois de uma queda por causa do home office durante a pandemia.
Dados do Tribunal Superior do Trabalho (TST) mostram que, apenas em 2021, foram registrados mais de 3 mil casos, provando que esse problema gravíssimo ainda faz parte da realidade de trabalhadores dentro do seu ambiente profissional.
As lutas encabeçadas pela sociedade civil, em especial lideradas pelo gênero feminino – mais vitimado por esse tipo de violência –, exigem não apenas justiça, mas também medidas preventivas eficazes.
Além de um maior engajamento dos empregadores para combater tais condutas.
Essa demanda resultou na criação da Lei 14.457/22, que prevê mecanismos para prevenção e enfrentamento ao assédio sexual e outras formas de violência em local de trabalho.
Entendendo a urgência do tema e somando à luta por mais respeito nas relações trabalhistas, escrevemos este artigo para direcionar gestores e empresas. A conversa é séria e abaixo estão as nove dúvidas mais comuns sobre o assunto.
1. O que caracteriza assédio sexual?
É uma tentativa de contato físico não solicitado e não aceitável e com conotação sexual. Ele também aparece no pedido explícito ou disfarçado de favores sexuais e em falas inapropriadas, que criam um clima hostil e ofensivo para a vítima (a quem são direcionadas).
Essa forma inaceitável de violência, apesar de poder ser direcionada a qualquer pessoa, atinge, com maior frequência, mulheres e minorias – que sofrem também com outros tipos de discriminação no trabalho, por seu gênero e orientação sexual, por exemplo.
Não à toa, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) afirma, em seu tratado da Convenção nº 190, que o assédio sexual tem ligação direta com o sentimento de poder que se baseia numa hierarquia social de gênero na qual mulheres e LGBTQIA+ ocupam posições inferiores.
E, como o ambiente profissional é um local que se organiza por uma hierarquia – onde, via de regra, homens cisgêneros e heterossexuais ocupam mais posições de chefia –, as situações absurdas no trabalho acabam não sendo nem um pouco incomuns.
2. O que é assédio sexual no trabalho?
O assédio sexual no ambiente de trabalho pode estar ligado ao contato físico indesejado ou à atitude de se constranger colegas com cantadas e insinuações constantes. Ele sempre terá relação com tentativas, por parte da pessoa assediadora, de obter vantagens ou favorecimento sexual de quem ela assedia (vítima).
Em sua cartilha para prevenção e combate ao assédio, editada em 2016, o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) afirma que as atitudes de um assediador podem ser:
- claras ou sutis;
- faladas ou insinuadas;
- por coerção ou chantagem.
Outro documento, do Senado Federal, orienta esse tema e frisa, ainda, que é necessária a ausência de consentimento da pessoa assediada para caracterizar o assédio, bem como comprovação do objetivo do assediador de obter algum tipo de vantagem de cunho sexual.
Veja exemplos.
Exemplos de assédio sexual no trabalho
Se você tiver dúvidas sobre o que seria uma investida reprovável de um assediador e, portanto, uma situação clara de assédio sexual no trabalho, veja os exemplos:
- insinuações de caráter sexual, declaradamente ou dissimuladas;
- conversas indesejáveis sobre sexo;
- gestos ou palavras escritas com teor sexual;
- uso de expressões e piadas de cunho sexual;
- promessa de tratamento diferenciado;
- contato físico não solicitado e não desejado;
- ameaças e chantagens envolvendo um risco de demissão;
- pedido de favores sexuais;
- convites vexatórios;
- pressão para aceitar encontros;
- exibicionismo;
- criação de um ambiente pornográfico; e/ou
- ofensas e perturbações em geral.
Todos foram extraídos da cartilha desenvolvida pelo Senado Federal que mencionamos anteriormente e essas condutas não precisam aparecer em conjunto e nem repetidamente para configurar a situação.
Basta que uma delas aconteça uma única vez para que a prática esteja consumada.
Vale lembrar: apesar de mais comum, o exercício dessas condutas não parte exclusivamente de um superior ou uma superiora contra alguém que lhe é subordinado(a). O assédio sexual no trabalho pode acontecer de outras formas.
3. Quais são as formas de assédio sexual?
Dá para classificar a prática de duas formas básicas: vertical e horizontal, principalmente quando falamos sobre ela dentro de algum ambiente de trabalho.
Assédio sexual vertical
Acontece quando quem pratica está em posição hierárquica superior à da vítima e usa disso para constranger essa pessoa através de pressão, intimidações ou qualquer outra atitude dentre as listadas no tópico anterior porque quer receber algum favorecimento sexual.
Assédio sexual horizontal
Acontece quando o constrangimento é praticado por colegas de trabalho, sem que haja uma diferenciação de hierarquia entre assediador e vítima.
Quem assedia pode (e deve) receber penalidades dentro e fora do ambiente de trabalho, mas não responde exatamente pelo crime de assédio sexual e sim por outros crimes, como calúnia, importunação sexual etc.
Dentro do Código Penal, somente a prática vertical configura "crime de assédio".
4. Assédio sexual no trabalho é crime?
É crime quando praticado por um superior contra alguém que lhe esteja subordinado. Na verdade, é crime grave, previsto pelo Código Penal, além de ser uma conduta totalmente inaceitável e demandar a demissão por justa causa.
Veja o que determina o artigo 216-A do CP, incluído pela Lei 10.224/01:
Art. 216-A. Constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função. Pena – 1 (um) a 2 (dois) anos de detenção. |
De acordo com a legislação, o agente (assediador ou assediadora) precisa utilizar sua posição hierárquica de superioridade sobre a vítima para que a conduta se enquadre como crime previsto de assédio.
5. O que configura crime de assédio sexual?
Conforme o artigo 216-A, o crime de assédio sexual especificamente no trabalho é qualquer constrangimento praticado pelo superior hierárquico ou pela superiora hierárquica contra um(a) subordinado(a) em busca de obtenção de alguma vantagem ou favorecimento sexual.
Existem duas configurações dessa conduta criminosa – especificamente praticada por quem exerce função de chefia em uma empresa, não se esqueça! Veja abaixo quais são.
Assédio sexual por chantagem
Esse crime existe quando acontece a exigência, por parte do(a) assediador(a) de alguma conduta sexual, em troca de benefício ou ameaçando a vítima de sofrer algum tipo de prejuízo na relação de trabalho e/ou perder o emprego.
Assédio sexual ambiental ou por intimidação
Acontece quando o agente faz provocações sexuais para constranger a pessoa que lhe é subordinada, criando um ambiente de humilhação e intimidação e prejudicando a atuação da vítima no desempenho das suas funções profissionais.
Qualquer que seja o caso, a prática deve ser denunciada, não apenas pelo assediado, mas também por seus colegas próximos, num esforço coletivo e solidário para proteger a vítima e reunir provas contra o agressor.
6. Como provar crime de assédio?
A principal recomendação para se provar o crime é gravar áudios ou vídeos ou documentar de outra forma qualquer contato entre a vítima e a pessoa assediadora. Essas gravações e registros somente devem acontecer quando houver suspeitas da conduta inadequada.
Quem recomenda a atitude é o advogado especializado em assédio sexual, André Costa, em entrevista concedida ao portal "Nosso direito em ação".
“As vítimas precisam entender o mecanismo do assédio sexual justamente para conseguir coletar provas. Então, uma gravação que comprove o constrangimento a que ela é exposta também pode ser usada no processo.”
Costa destaca também a importância de manter seguro qualquer registro do constrangimento, como bilhetes, e-mails e mensagens em apps, de preferência, fazendo upload dessas evidências para a nuvem.
As provas materiais que muitos assediadores deixam para trás por confiarem na impunidade são essenciais para embasar o depoimento das vítimas. Além disso, se houver testemunhas dispostas a depor em favor da pessoa assediada, fica ainda mais fácil responsabilizar o agressor.
Lembra quando falamos do esforço coletivo e solidário para proteger os parceiros de trabalho desse tipo de abuso? Ele também vale para a coleta de provas! Um colega pode registrar a conduta inaceitável, fortalecendo a denúncia.
7. Como fazer uma denúncia de assédio?
O primeiro órgão a ser comunicado é o sindicato da categoria na qual quem é vítima se enquadra. Junto ao sindicato, essa pessoa receberá orientações sobre como proceder para acabar com o abuso e conseguir punição ao agressor.
O sindicato recorre ao Ministério Público do Trabalho (MPT) – órgão que recebe as denúncias – para transmitir todas as informações.
Paralelamente, a vítima deve registrar um boletim de ocorrência em uma delegacia. Se for mulher, recomenda-se procurar uma Delegacia da Mulher para o registro, que oferece atendimento especializado, inclusive para vítimas de crimes contra a dignidade sexual.
A denúncia também pode ser feita pelos canais da própria empresa, quando existirem, e, se você é gestor(a) e a sua empresa ainda não está aberta para tratar desse tipo de situação, informe-se e descubra por onde começar o quanto antes.
Denúncia online
Caso a categoria à qual a vítima pertence não tenha sindicato, existe a possibilidade de recorrer ao próprio site do MPT e clicar no botão "Denuncie" para apresentar uma queixa.
Porém, o MPT trata dos direitos coletivos dos trabalhadores e suas ações visam a responsabilização da empresa e o estabelecimento de medidas para combater o assédio sexual no ambiente no qual o crime foi denunciado.
Se a vítima desejar ser indenizada pelo seu agressor, deve procurar a Justiça do Trabalho acompanhada de um advogado trabalhista para requerer, entre outros direitos, compensação por danos morais sofridos em consequência da prática.
8. Como a empresa deve agir em casos de assédio?
A ação do empregador em casos de denúncia de assédio deve ser efetiva e cabe à empresa abrir uma investigação aprofundada e confidencial do possível crime, tomando cuidado para não expor a vítima.
Ela também deve se responsabilizar por aplicar as devidas sanções administrativas e trabalhistas ao assediador.
Toda e qualquer providência deve ser tomada pensando na proteção à pessoa assediada e visando a melhoria do clima organizacional para não afetar os demais colaboradores. Quando a investigação envolver o MPT, a relação entre organização e o órgão deve ser de total transparência.
As principais atitudes esperadas de companhias de qualquer porte ou setor de atuação foram listadas abaixo.
1. Investigando corretamente
É fundamental receber a denúncia com seriedade e abrir imediatamente uma investigação rápida e apropriada, reunindo provas materiais, relatos de testemunhas e até mesmo uma perícia técnica, se necessário.
2. Instaurando um comitê de crise
Principalmente nesses casos, que são graves e/ou complexos, caberá à empresa instaurar um comitê de crise, formado por gestores e representantes do setor jurídico e do RH, além dos membros do MPT ou da Justiça do Trabalho que estejam acompanhando o caso.
O comitê vai definir os próximos passos do processo.
3. Mantendo sigilo
Em casos de assédio, torna-se estritamente necessário à organização conduzir a investigação de maneira sigilosa, acolhendo e protegendo a vítima, evitando ao máximo expô-la e agravar ainda mais sua situação de fragilidade.
Também é necessário preservar a identidade do assediador até que a investigação seja concluída, para evitar que o mesmo interfira de alguma forma nas diligências. Em alguns casos, pode ser melhor afastar o acusado de suas funções.
4. Punindo a pessoa assediadora
Quando a denúncia se provar verdadeira, deve-se aplicar as punições administrativas cabíveis – que vão desde uma advertência verbal a uma suspensão, sem esquecer que a conduta é motivo para demissão por justa causa.
A empresa também deve se manter receptiva às determinações do MPT que visam transformar o ambiente de trabalho onde ocorreu o crime em um lugar em que os colaboradores se sintam novamente seguros para cumprir suas tarefas. Afinal, atuar na prevenção desses incidentes inaceitáveis deve ser prioridade, certo?
9. Quais medidas preventivas as empresas devem adotar contra o assédio?
Para evitar que qualquer funcionário se sinta à vontade para cometer assédio, é preciso adotar medidas que facilitem a denúncia e mostrem aos empregados que a empresa está determinada a anular a sensação de impunidade que silencia vítimas. E vale deixar punições bem claras!
Veja, em tópicos, o que pode ser feito para ajudar a criar um ambiente seguro e livre de qualquer tipo de abuso.
- Conscientizar os funcionários – tanto colaboradores quanto gestores, sobre o que é assédio sexual no trabalho através de campanhas de compliance, memorandos e e-mails frequentes.
- Trabalhar em conjunto com lideranças – para estabelecer uma cultura de feedbacks que forme vínculos de confiança, dando a segurança de que uma eventual vítima será ouvida e receberá a devida atenção.
- Criar um canal interno de comunicação – e de escuta ativa, que seja verdadeiramente sigiloso e seguro para receber possíveis denúncias.
Ao criar um ambiente seguro para a vítima ser ouvida e acolhida, a empresa também torna o local de trabalho um lugar perigoso para um provável assediador agir. Como consequência, o clima organizacional melhora mais e mais.
A estratégia deve ser exatamente essa: acabar com a sensação de impunidade no que diz respeito a essa e outras condutas inaceitáveis.
Outras formas de assédio no trabalho
Existem outras formas de assédio que devem ser compreendidas, reconhecidas e combatidas por empregadores e colaboradores e que precisam se tornar parte do já mencionado esforço coletivo e solidário para proteção mútua no local do trabalho.
Destaque para:
- assédio moral, que tem um Projeto de Lei (PL 4742/2001) tramitando na Câmara Federal para tratá-lo de forma mais aprofundada;
- bullying, mais comum em ambiente escolar, mas que também ocorre em locais de trabalho, e cyberbullying ou assédio virtual; e
- stalking ou perseguição, já previsto no Código Penal (Lei 14.132/21).
Independentemente da forma com que o assediador vitimiza seu alvo, é responsabilidade de todos e, em especial, da administração da empresa agir com eficiência na prevenção de atos criminosos e com agilidade na responsabilização dos culpados, caso eles aconteçam.
Cabe ao RH e gestores também a proteção às vítimas.
Da nossa parte, continuaremos trazendo informações confiáveis e seguras sobre o tema, ajudando a construir uma sociedade onde todos possam exercer suas atividades profissionais sem temer nenhum tipo de ameaça à sua dignidade e liberdade sexual. Conte com a gente!
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